O Nascimento da Arte - Georges Bataille
O Nascimento da Arte - Georges Bataille
A caverna de Lascaux no vale da Vézère, a dois quilómetros da pequena cidade de Montignac, não é só a mais bela, a mais rica das cavernas pré-históricas com pinturas; mas desde logo o primeiro sinal sensível que nos chegou do homem e da arte. [ ] Esta extraordinária caverna não pode deixar de transtornar quem a descobre; nunca deixará de responder a essa expectativa de milagre que é, na arte ou na paixão, a mais profunda aspiração da vida. Muitas vezes achamos infantil esta necessidade de ficarmos maravilhados, mas voltamos sempre a ela. O que parece digno de ser amado é sempre o que nos transtorna, o inesperado, o inesperável. Como se a nossa essência estivesse por paradoxo ligada à nostalgia de alcançar o que tínhamos considerado impossível. Sob este ponto de vista, Lascaux reúne as mais raras condições: a sensação de milagre que hoje nos dá a visita da caverna, ligada acima de tudo à oportunidade da descoberta, é de facto duplicada pela sensação de um inaudito carácter que estas figuras tiveram aos olhos dos que viveram no tempo da sua criação. Para nós, Lascaux situa-se a partir de agora entre as maravilhas do mundo; embora estejamos em presença da incrível riqueza que a sucessão dos tempos amontoou. Mas qual teria sido a sensação dos primeiros homens que se viram no meio destas pinturas, apesar de não extraírem delas, como é evidente, um orgulho semelhante aos nossos (tão estupidamente individuais)? Teriam sentido, como é evidente, um prestígio imenso. O prestígio que se liga, pensemos nós o que pensarmos, à revelação do inesperado. É sobretudo neste sentido que falamos do milagre de Lascaux; porque em Lascaux a humanidade juvenil mediu pela primeira vez a extensão da sua riqueza. Da sua riqueza, isto é, do poder que tinha de chegar ao inesperado, ao maravilhoso. [Georges Bataille]