Todas as Cartas - Clarice Lispector

Todas as Cartas - Clarice Lispector

27,00 €

“Torna-se claro que a saída do Rio constitui em grande parte o motor da correspondência mais significativa de Clarice. Impõe-se uma assinalável continuidade, à maneira de um diário, nas décadas de 1940 e de 1950. Desdobram-se diante de nós os dias vividos em força e desmesura, meditações de uma vida contada em permanente tensão, na tranquilidade e no desassossego. Desse tempo, o livro mostra-nos um retrato ardente: esperas, alegrias, abatimentos. Sobre Clarice, Hélio Pellegrino afirmou, num texto conhecido, que ‘o diálogo que manteve consigo mesma era intenso demais’. Sim, é verdade. E, no entanto, as cartas mostram-na, ao mesmo tempo, sempre disponível, atenta e dialogante. […] Deparamos com um sentido de urgência, em muitas das cartas, sobretudo naquelas que envia para as irmãs. Participar do mundo destas completa-a. Como quem ama demais, exige uma correspondência difícil de acompanhar. A veemência dos pedidos revela o desejo de notícias, mas também a necessidade de amparo. A leitura das cartas de Clarice transporta-nos para o seu universo ficcional, como se estivéssemos diante de uma das suas personagens. A recepção da correspondência é um momento alto que gera sensações exaltantes e pacificadoras: ‘quanto mais carta melhor’, escrevia a Elisa três meses depois de se instalar em Nápoles.” [Do Prefácio de Carlos Mendes de Sousa]

SOBRE A AUTORA:
“Clarice Lispector tornou-se famosa com a publicação de Perto do Coração Selvagem, no final de 1943. Acabara de fazer vinte e três anos, uma obscura estudante, filha de emigrantes pobres; o seu primeiro romance teve um impacto tão extraordinário que, escreveu um jornalista, ‘não temos memória de uma estreia mais sensacional, que elevou a tal proeminência um nome que, até muito pouco tempo antes, era completamente desconhecido’. Mas apenas algumas semanas depois de esse nome começar a tornar-se conhecido, a sua portadora partiu do Rio de Janeiro. Durante quase duas décadas, ela e o seu marido, um diplomata, viveram no estrangeiro. Embora tenha visitado regularmente o seu país, só regressaria definitivamente em 1959. Nesse ínterim, lendas propagaram-se.
O seu nome estranho, de aspeto estrangeiro, tornou-se objeto de especulação — um crítico perguntou-se se seria um pseudónimo, e outros perguntaram-se se ela não seria, na verdade, um homem. No seu todo, essas lendas refletem uma inquietação, uma sensação de que ela não era o que aparentava: de que assumia ‘uma aparência totalmente diferente da realidade’. Importa aqui sublinhar a palavra ‘aparência’. A bonita esposa de um diplomata, aparentemente um ordeiro pilar da burguesia brasileira, produzia uma série de escritos numa linguagem tão exótica que, nas palavras de um poeta, ‘a estranheza da sua prosa’ se tornara ‘um dos factos mais esmagadores […] da história da nossa língua’. Havia em Clarice Lispector algo que não era o que parecia, uma estranheza amiúde registada por aqueles que se encontravam com a sua obra pela primeira vez. Mas raramente foi tão bem articulada como no final da sua vida, a meio da ditadura militar, quando se viu extensa e fisicamente revistada no aeroporto de Brasília. Perguntou à segurança: ‘Tenho cara de subversiva?’ A mulher riu-se, e depois deu a única resposta possível: ‘Até que tem.’” [Da Introdução de Benjamin Moser a Todos os Contos]

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