A Vida das Plantas: Uma Metafísica da Mistura seguido de «Ser o mundo» (1ª Reimpressão) - Emanuele Coccia
A Vida das Plantas: Uma Metafísica da Mistura seguido de «Ser o mundo» (1ª Reimpressão) - Emanuele Coccia
Edição de Pedro A. H. Paixão
Tradução de Jorge Leandro Rosa
Iconografia de Carla Filipe
Nunca compreenderemos o que é uma planta sem termos compreendido o que é o mundo.
Entre os catorze e os dezanove anos, fui educado num liceu agrícola da província, isolado nos campos da Itália central. Estava lá para aprender um «verdadeiro ofício». Desse modo, em vez de me consagrar ao estudo das línguas clássicas, da literatura, da história e das matemáticas, como faziam todos os meus amigos, passei a minha adolescência mergulhado em livros de botânica, de patologia vegetal, de química agrária, de cultura hortícola e de entomologia. As plantas, as suas necessidades e doenças, eram o objecto privilegiado de todo o estudo nessa escola. Esta exposição quotidiana e prolongada a seres que estavam, inicialmente, tão distantes de mim marcou de forma definitiva a minha visão do mundo. Este livro é a tentativa de ressuscitar as ideias nascidas nesses cinco anos de contemplação da sua natureza, do seu silêncio, da sua aparente indiferença a tudo o que chamamos cultura. […]
A planta encarna o laço mais estreito e mais elementar que a vida pode estabelecer com o mundo. O inverso também é verdadeiro: ela é o observatório mais puro para se poder contemplar o mundo na sua totalidade. Debaixo do sol ou das nuvens, misturando-se com a água e com o vento, a sua vida é uma interminável contemplação cósmica, sem dissociar os objectos e as substâncias, ou, dizendo-o de outro modo, aceitando todas as nuances, até se fundir com o mundo, até coincidir com a sua substância. Nunca compreenderemos o que é uma planta sem termos compreendido o que é o mundo. […]
Os seres vivos são para o mundo o que as flores são para as plantas: o seu sexo. Estamos acostumados a entender a sexualidade como um acto puramente orgânico ou uma dimensão exclusivamente biológica. Deveríamos, ao contrário, aprender a considerar a sexualidade biológica como um dos múltiplos reflexos de um fenómeno de dimensão cósmica, no qual o mundo se renova e modifica a sua consistência. O mundo é constantemente rearmado de modo diferente, e é isso que reproduzimos sexualmente. A vida é o sexo do mundo: não alguma coisa que tenha acontecido acidentalmente e a posteriori em algum momento da sua história, mas a sua estrutura originária, o seu dinamismo identitário mais profundo.
[Emanuele Coccia]