Anjo e Duende - Federico García Lorca
Anjo e Duende - Federico García Lorca
Com vinte e um anos de idade e farto dos provincianismos de Granada, o jovem Lorca mergulhou de corpo inteiro no turbilhão cultural de Madrid. Lia tudo, ouvia tudo, via tudo, tinha vizinhos de quarto tão invulgares como poderiam sê-lo Luis Buñuel e Salvador Dalí, mas não frequentava as aulas: divertia-se e divertia, e em papéis soltos as suas poesias começavam a encher-se com uma Andaluzia essencial, de morte cantada como mutilação trágica da vida, de touros e homens num abraço de agonia flamenca, de santos com suores e lágrimas de sangue, de santas com rendas e rostos de mulher nocturna, de ciganos em estado de inocência.
Os anos de vida que lhe sobravam, dezassete, foram vividos com uma escrita que o manteve à volta deste mundo saído da Espanha profunda; celebrada nos seus poemas com tiques que insistiram em cavalos com espumas do mar, em jacintos e lírios, em jardins com nardos, basiliscos e cicutas onde vivia a sombra fria dos homens da Guarda Civil, em céus onde uma lua maléfica tinha seios de estanho duro; com metáforas até ali desconhecidas na poesia espanhola, por vezes armadilhadas quando pediam auxílio aos sentidos menos conhecidos de palavras vulgares para fazer subir mais um degrau à surpresa das imagens; lembrando-se, por exemplo, de paje para dizer «toucador», de madera para sugerir «talento», de tortuga para designar uma «lira romana», ou de pan para referir uma delgada «folha de ouro»