Teatro Do Imaginário - Fernando de Macedo

Teatro Do Imaginário - Fernando de Macedo

12,00 €

Na base e inspiração dos textos reunidos neste livro esteve uma aprofundada recolha sobre tradições e mitos do povo Angolar de S. Tomé e Príncipe. Do entrelaçamento entre a tradição e a vida actual daquele povo resultaram diferentes tonalidades na expressão do mito, dominante no Rei de Obó, coexistente no Capitango e recorrente no Cloçon Son.

Em qualquer dos casos não foi renunciado o intuito de reavivar as profundas raízes da cultura Angolar, nem o desejo de apostar num contributo que possa ser assumido pelos que a ela se encontram vinculados, mormente os jovens onde mais se farão sentir forças centrípetas desmobilizadoras dos valores matriciais.

O Rei do Obó é a saga mítica de um Rei, Amador, que constitui ainda hoje uma referência nacional para toda a população de S. Tomé e Príncipe. As forças telúricas e os heróis da "guerra do mato" fazem por tal forma parte dos arquétipos que perpassam o quotidiano São-Tomense.

No Capitango, os personagens seguem de perto as que foram fixadas pelo "Curioso Pascoal Viegas", de Santana, S. Tomé, nos seus quadros sobre o Danço Congo. Embora nada nos garanta que os figurantes descritos por Vilhete se reportem fielmente aos da antiga tradição Angolar, apresentam uma coerência compatível com o seu significado mítico. Neste danço, destacam-se com nitidez dois planos: o primeiro composto pelo Capitão e seus soldados, também denominados Guias, tendo ao fundo os simbólicos "Anjos de Cantar"; o segundo composto pelo povo despreocupado ou Bobos e Pés-de-Pau, protegidos pelo Feiticeiro, e tentados por Lúcifer e pela Raínha e seu algoz.

Sem alterar estas designações já convencionais, foram todos estes figurantes postos em cena também repartidos em dois planos, sendo um reportado à tradição mítica e outro próximo do mundo real insular.

Trata-se de colocar frente a frente dois mundos que, sendo diversos, se interpenetram no imaginário popular: a evocação histórica do antigo reino de Anguéné com o seu Capitão e guerrilheiros, que asseguram a unidade etno-cultural, e a apresentação de um povo distante do seu passado e portanto sujeito quer a forças desmotivadoras simbolizadas por Lúcifer, quer aos apelos centrípetos da sociedade contemporânea, representados pela Raínha.

O título escolhido para o Cloçon Son, correspondente ao nome de um tubérculo usado em infusão, como tónico revigorante. Significando literalmente coração do chão, toma no texto um sentido múltiplo, de medicamento popular, de coração da terra pátria, ou ainda, do da própria personagem a quem a terapia foi aplicada.

A acção decorre em Angolares, a sul de S. Tomé, reflectindo um quotidiano onde as raízes lendárias se entrelaçam, subvertendo por vezes a distância temporal e os ditames de uma cronologia lógica.

Na consciência de que o âmago destas raízes foi aqui abordado num idioma que não é o materno, procurou-se utilizar diálogos curtos, expressos em forma despretensiosa, atendendo ao facto de que grande parte dos actores usam o português como segunda ou terceira língua. Não obstante esta postura, a representação do Cloçon Son em Agosto de 97, em S. Tomé, teve de vencer obstáculos face à dificuldade dos jovens amadores de teatro em se exprimirem com clareza na língua lusa. Aspectos idênticos existiram durante os ensaios do Capitango, ocasionando mesmo adaptações, a fim de que a sua representação na Expo’98 pudesse resultar perante um público diverso, embora predominantemente português.

Para que a cultura Angolar possa ser divulgada em toda a sua complexa riqueza, foi a expressão verbal complementarizada por mímicas, música e danços característicos do sul do arquipélago.

Em suma, o principal objectivo destes escritos é o de que a cultura africana insular possa ser divulgada em português, num comum empenhamento de difundir um valioso património cultural em cadência e ritmo próprios.

Finalmente, agradeço ao grupo de teatro "O Bando" de Lisboa e ao "CIAC" de Angolares, S. Tomé e à Cena Lusófona, o empenho para levar à cena o Cloçon Son e a adaptação do Capitango e a edição deste livro, contribuindo assim para que a língua lusa, outrora instrumento colonial, também possa ser difusora dos valores matriciais africanos.

Fernando de Macedo

Contém as peças: O Rei do ObóCapitango e Cloçon Son

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