Os Incuráveis - Agustina Bessa-Luís
Os Incuráveis - Agustina Bessa-Luís
«Quando o Alberto [Vaz da Silva] me falou de Os Incuráveis, demorou-se também num minuto pungente, num instante agudíssimo e terrível. Era aquela despedida no tombadilho dum barco, quando Petronila, “implacável mãe”, estava grávida e regressou sozinha para o continente. O véu dela era cinzento, o marido ergueu-o “com a mão que tremia” e beijou-a “de levezinho como se beija um morto, como quem diz adeus até ao fim do mundo”. Em Os Incuráveis, esse episódio é narrado em discurso directo por Mariano, depois da morte da Petronila, numa poltrona de couro. O que citei na terceira pessoa, o que me foi citado na terceira pessoa, era a longa fala, ou solilóquio, do filho para a velha criada. E essas duas páginas, que começavam: “Lea, corta-me uma madeixa dos seus cabelos, e tira-lhe do dedo a aliança… Há́ uma bolsa de cetim branco que tem dentro um ramo de laranjeira…” E acabava com: “[…] mas em nada disso está afinal o amor, que é a graça de estar presente e simultaneamente extinto na afirmação de todas as coisas e de todos os outros”. Essas duas páginas, digo-vos eu, são as mais belas que já́ li em língua portuguesa.»
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