Leviatã/Espelhos Negros - Arno Schmidt
Leviatã/Espelhos Negros - Arno Schmidt
A escolha para esta primeira edição portuguesa recaiu sobre duas das primeiras publicações de Schmidt: Leviatã, de 1949, e Espelhos Negros, de 1951, duas obras já por diversas vezes publicadas em conjunto, quer em alemão, quer em traduções. Para além das afinidades entre os textos, há também um certo benefício didáctico em reuni-los num volume, já que Leviatã, ainda bastante próximo duma escrita que se poderia apelidar de convencional, se presta na perfeição como texto introdutório à escrita de Schmidt: uma espécie de exercício de aquecimento para Espelhos Negros, onde o texto surge já organizado na característica malha gráfica que Schmidt apelidava de “Raster” (grelha, matriz), formato que manteria em grande parte da sua obra. Na matriz ideada por Schmidt, cada fragmento (regra geral, um parágrafo) abre com um tema em itálico que depois é desenvolvido. Com este processo de montagem, Schmidt pretendia incutir à narrativa o carácter fragmentário do pensamento e da memória que não se organizam linearmente, mas antes se assemelham a uma colecção de imagens avulsas. Explicado nas palavras do fotógrafo amador Arno Schmidt:
«A minha vida?!: não é um contínuo! (não apenas estilhaçada pelo dia e pela noite em pedaços brancos e negros! Porque até durante o dia é um outro aquele que vai apanhar o comboio; que está sentado na repartição; livreia; caminha de andas por bosques; copula; tagarela; escreve; pensador de mil coisas; de gavetas a desfazerem-se; que corre; fuma; excrementa; rádioescuta; o “Herr Landrat” diz: that’s me!): uma bandeja repleta de snapshots resplandecentes.»
Mário Gomes, no prefácio