O Chancellor - Jules Verne
O Chancellor - Jules Verne
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Jules Verne, impressionado com a obra de Géricault resolveu inspirar-se na tragédia da Méduse para contar a história do seu Chancellor. Começou a escrever este romance em 1870, mas só em 1874 o publicou como folhetim em Le Temps. E tinha consciência do passo ao lado que ele representava na sua habitual maneira de estar na literatura. Como reagiriam os seus fiéis leitores, habituados e encantados com a sua imaginação visionária, a este huis clos escrito com um presente contínuo, que abandonava a história extraordinária no sentido que ele costumava dar-lhe e se concentrava no homem em luta pela sua sobrevivência num espaço exíguo, em circunstâncias que lhe despertavam a mais básica das selvajarias?
Numa carta que mandou ao editor Jules Hetzel fez este aviso: Vou levar-lhe uma obra de um realismo assustador. […] Não acho que a jangada da Méduse tenha dado origem a qualquer coisa assim tão terrível. Jules Verne não tinha, neste ponto, razão. O número de pessoas obrigadas a comprimir-se na exígua superfície da jangada da Méduse, os tumultos e as carnificinas que foram matando sucessivamente os seus ocupantes, reduzindo-os desde o elevado número de mais de uma centena até dezasseis, as cenas de um desvairado canibalismo, nada têm de comparável com a relativa amenidade de convívio que ele imaginou para os dias da jangada d’O Chancellor.
E outras significativas diferenças separam os dois naufrágios: a Méduse descia o Atlântico desde a França até ao Senegal; O Chancellor saía dos Estados Unidos da América, atravessava o Atlântico em direcção à Inglaterra e, desviado da sua previsível rota, naufragava na América do Sul; a jangada da Méduse andou no mar doze dias até surgir um navio que recolheu os seus sobreviventes; a jangada d’O Chancellor teve cinquenta e dois dias de errância marítima, antes de chegar ao Amazonas; a avaria da Méduse foi provocada por uma má rota que a atirou para cima de um banco rochoso; a d’O Chancellor teve origem num desses incêndios sub-reptícios que minam pacientemente cereais ou algodão…
[Aníbal Fernandes]