O Encontro: Uma História Incerta - Henri de Régnier
O Encontro: Uma História Incerta - Henri de Régnier
Tradução e apresentação de Aníbal Fernandes
Um subtil fantástico ou não mais do que uma alucinação. A Veneza das suas artes, das suas igrejas e dos seus palácios; a sua canção dos sinos no céu, o eco dos remos na água. O sortilégio que emana e faz a dor suave, a tristeza feliz e a própria morte não mais do que um descanso, um pouco mais do que silêncio e esquecimento.
«Incerta», chamou Régnier a esta história, para nos lembrar como ela hesita, sem opção nítida, entre a possibilidade desde logo desfeita de uma intriga policial, e depois de uma discreta vontade de fantástico ou mesmo de uma simples alucinação. Há um busto que desaparece e reaparece; há um espelho que duplica a realidade, mas decidido a fazer nela uma alteração selectiva; e também há o homem que sai de uma doença com sequelas psicológicas e talvez só esteja a enfrentar alucinadamente esta realidade sem mistério que nos cerca. A narrativa, na primeira pessoa do singular e feita por esse homem, limita-nos deliberadamente as perspectivas e envolve de «incerteza» a sua visão. Mas…
Esta personagem humana vai deslocar-se para Veneza, a cidade que também terá aqui um principal lugar; Veneza é a cidade que incansavelmente se repete na obra literária de Henri de Régnier; a que ele frequentou, sempre dominado por uma insaciável paixão. As suas Proses datés (de 1925) são a este respeito muito explícitas: Foi o prazer de viver, aquilo que Veneza me deu com a sua generosa confiança. Deu-me pelas suas artes, pelas suas igrejas e pelos seus palácios, pelos seus museus, pela canção dos sinos no céu, pelo eco dos remos na água; deu-me por si própria, pelas suas misteriosas e vivas belezas, pelos entrelaçados das calli e dos canais, pela extensão da laguna, pelos campi, pelos jardins tão secretos; deu-me pelo estranho sortilégio que emana e faz a dor suave, a tristeza feliz e a própria morte não mais do que um descanso, um pouco mais do que silêncio e esquecimento.
No entanto, num prefácio a esta novela, Marcel Schneider acrescenta à obsessão de Régnier razões que ultrapassam as da Veneza física: «O seu amor a Veneza, o gosto pelo raro e pelo delicado, a sua libertinagem à século XVIII que o aparentavam com Casanova, e o simbolismo enevoado que o aproximava de Parsifal, faziam dele o modelo desses infelizes amantes da arte de viver que passavam a sua vida entre a Itália e a França, e sobretudo na Veneza onde “os homens embigodados” todos os anos se encontravam.»
[Aníbal Fernandes]