Língua-mãe
Gabriela Gomes









nenhuma paixão
por uma língua
é tão forte
quanto
àquela
que te faz
parir
em outra
terra

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o adubo de lavoisier


às vezes parece que não
mas a minha poesia
pertence-me
a minha poesia é minha
a minha poesia é minha
minha e de quem mais a amar
e se a quiserem queimar
as cinzas juntam-se ao estrume
mas eu
ficarei intacta.

 
Unhas-de-fome
Narciso Pinto
 









faux-raccord


um par de dias após a neve esgalhar
as ruas ficavam sujíssimas – anti-postal
como se por sobre toda a cidade
houvessem despejado borras de café

e neste pequeno café da praia
sem remoques perante o franco-suíço em queda
e o rosnar das águas
amo-te como o frio a entrar nos ossos –

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fez-se a perfeição civil
em fumo da retina
e uma angústia de espelho
veio ocupar o corpo
no joelho bendito que prevê chuva
mora a senhora barroca de frutos
ao mesmo tempo que a hora vem transbordar
nas notas frescas e nos cabelos de cal
força maior da idade macia
que rasga o vértice das pálpebras
e faz nascer dia
fora do coração do homem.

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apetece o lodo
o limo lavar a cara
com largos dedos
longos - limpar
e perseguir até ao mais
pequeno resto - de osso
até à matéria mais branca
(nem aí se encontrará homem)
ou palavra (aluvião)
perros pesados (presos)
em terreno desconhecido

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Merda Para as Musas
João Coles
 









o mar de Neruda


foste como o mar de Neruda
dizias que sim
depois que não
e que sim
e que não

fomos uma história de vagas
suspensa como a areia
quando a pisamos dentro de água

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hespéria


(...)
eu que carreguei até aqui toda esta guerra
talvez nunca venha a viver
como o guardião de nenhum jardim
mas posso esperar
transportar a partir daqui
a felicidade voraz e vermelha desta cor
que como um gladiador na arena
pôs agora em espera a premeditação
de todos os invernos

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Mar Subverso
Rui de Noronha Ozorio
 









Hoje
atesta-me um ar vazio no corpo
que me deixa dobrado
ao frio
sem roupa que me consiga aquecer

Respiro devagar
e conformo
os meus nomes ao destino

Vou sereno
e com os olhos vermelhos e arranhados

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Par de Olhos
Inês Morão Dias
 









Sob a forma epistolar
disse-te
enquadras por defeito
e tens o vício de esfumar
talvez seja por isso
vi mal
és poliédrico expansivo
e também eu me
contradigo
ou não serão todas essas
formas de ver
desleais e
dependentes

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Lamarim
Vítor Teves
 









Acende

Aperta esta mão em sangue
dá-lhe pérolas e sossegado
leito terno amanhecer.
Corre com o vento frio
sobre a película do olho.
Escorre entre a natureza e a
morte. Acende a velha vela.

Sê a terra fresca que
recebe a pura água entanto
ao teu redor tudo cai no
desesperante seco e vazio.

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Tutano
Número Zero
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o problema está no osso
na desidade do osso
no seu peso
ou transparência
se é preenchido ou oco
o problema, com vozes mansas
é sempre no caroço

na sua adstringência

vejo mas não ouço
forte por vezes frouxo
substância mole
é gorda
do interior dos ossos
o problema está na saliência